A decolonização da psicologia

 

A decolonização da psicologia cria possibilidades de mudança social

Por Shose Kessi - Professor sênior de Psicologia Social e Crítica da Universidade da Cidade do Cabo 

As questões levantadas pelos estudantes universitários sul-africanos em uma nova rodada de protestos devem ser lidas como inter-relacionadas e integrantes do projeto descolonial em andamento.

O racismo, a violência de gênero e as condições opressivas de trabalho - que persistem nas universidades do país - são alimentadas por idéias que criaram um mundo no qual viemos para justificar e legitimar a organização hierárquica da sociedade. Os psicólogos são os principais participantes desse legado. Eles são cúmplices em moldar essas atitudes da mente.

Historicamente os psicólogos se basearam nas teorias do darwinismo social e da eugenia para adotar a categorização hierárquica das pessoas em grupos raciais. O povo africano era considerado o menos humano de todos.

Exemplos incluem os projetos psicológicos do início do século XX, que envolviam testes de inteligência e outras formas de testes psicométricos. Isso colocou as mentes e habilidades das pessoas em uma hierarquia determinada pela raça.

Os psicólogos defendiam idéias de seleção natural e "sobrevivência do mais apto". Sua defesa levou à legitimação da escravidão, colonização e apartheid. Isso resultou no genocídio de milhões de africanos e e pessoas colonizadas do sul global. 

Índices de diferença

A pesquisa psicológica ainda usa a mente e, mais recentemente, o cérebro, como índices de diferença.

O foco nas diferenças neurológicas entre homens e mulheres; ou compreender a saúde mental ou os tipos cerebrais de abusadores de substâncias, criminosos, homossexuais, obesos e soropositivos, é problemático quando se traduz em descobertas de pesquisas que vinculam obesidade a baixa inteligência, mulheres com irracionalidade, jovens com desvio ou pobres à falta de empatia.

Quando essas descobertas são tornadas públicas, elas reinscrevem processos de inferiorização e controle. Essas pesquisas reproduzem idéias sobre quem é considerado "normal" - e quem requer "intervenção", bem como o tipo de intervenção.

Mas a mente não existe por si só. Está dentro de uma pessoa viva. É moldada por experiências pessoais, crenças e ações. Estes tomam forma em um contexto social. A mente é produzida pelo nosso ambiente social.

Uma virada descolonial para a psicologia significaria afastar-se da suposição de que o indivíduo é a unidade central de análise de maneiras que negligenciam os contextos sociais, econômicos e políticos das pessoas.

Para entender as causas profundas da doença mental, precisamos educar a nós mesmos e a outros psicólogos como as relações mais amplas de dominação e subjugação se desenrolam no cotidiano das pessoas. Uma vez que reconhecemos o impacto dos males sociais no bem-estar das pessoas, podemos começar a ver como as prescrições de terapias e medicamentos são apenas medidas de prevenção. Se queremos fazer uma diferença duradoura na vida das pessoas como psicólogos, também devemos intervir nas desigualdades estruturais e nas experiências de violência e discriminação que existem na sociedade.

Se não o fizermos, não estamos simplesmente ajudando as pessoas a se adaptarem e sobreviverem às condições de vida opressivas? 

Politizando a psicologia

Em um discurso no Instituto de Artes Criativas da Universidade da Cidade do Cabo, o professor Nelson Maldonado-Torres propôs 10 teses sobre descolonialidade.

Ele enfatizou a necessidade de uma virada decolonial estética, na qual surgem os damnés - termo de Frantz Fanon para os oprimidos - como criadores e agentes de mudança social. Ele continuou dizendo que, para os acadêmicos, isso significa não mais se refugiar em projetos de conhecimento ou trabalho acadêmico. O que é necessário é um projeto coletivo que envolva organização política, estratégia e ativismo.

Mais formas politizadas de psicologia surgiram desde os anos 80. Isso inclui psicologias feministas, psicologia pós-colonial e psicologia da libertação. Esses aspectos da disciplina têm um foco mais social e crítico. Eles investigam as relações de poder entre grupos na sociedade. Eles tratam as identidades das pessoas como diversas, fluidas e intercectadas. As pessoas são vistas como seres históricos cujas mentes foram construídas por e através de seu ambiente social, econômico e político.

Eles também propõem métodos inovadores e criativos que questionam as relações tradicionais entre pesquisadores e participantes de maneiras que atenuam a violência epistemológica freqüentemente exercida contra os pesquisados.

Esses projetos teóricos são intrinsecamente políticos, envolvendo formas de ativismo por meio da conscientização, mobilização e ação social.

Os alunos mostraram aos acadêmicos que desejam aprender sobre esses tipos de conhecimentos à medida que voltam a centrar suas experiências e culturas na academia. Eles estão fazendo uma pergunta fundamental: para que serve a academia.

O trabalho dos acadêmicos está se envolvendo de maneira crítica com questões de raça, classe e gênero e contra práticas opressivas? Quais são as teorias que podem criar, guiar e sustentar sistemas sociais alternativos? Essas teorias devem e devem emergir da relação entre a produção de conhecimento que ocorre nas instituições acadêmicas e as experiências vividas pelas pessoas. Como saberíamos o que precisa mudar para alcançar uma sociedade justa sem conhecer a vida daqueles que são mais marginalizados pelos sistemas sociais e como envolvê-los em lutas coletivas?

O processo de mudança

Uma virada decolonial é um processo de mudança, tanto no pensamento quanto na prática. Isso está intimamente ligado às instituições acadêmicas como locais-chave da produção de conhecimento.

Várias coisas se tornaram centrais para o funcionamento de uma universidade: erradicar o passado colonial, refletir sobre o que ainda está errado no presente e imaginar um futuro em que as experiências de interseção dos mais oprimidos são reconhecidas e valorizadas. Tudo isso pode contribuir para o surgimento de teorias relevantes e produtivas.

Para os psicólogos da África do Sul, sugiro que um compromisso com a negritude, feminismos negros e masculinidades negras seja central no projeto de construção de comunidades saudáveis. Abre possibilidades de mobilização, ação e mudança social. 

Este artigo foi adaptado de um discurso feito no Congresso Anual de Psicologia da Sociedade de Psicologia da África do Sul, realizado em Joanesburgo, de 21 a 23 de setembro de 2016. 

Este artigo foi publicado originalmente na The Conversation. Leia aqui o artigo original

Fonte: https://mg.co.za/article/2016-10-03-decolonising-psychology-creates-possibilities-for-social-change

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